Ainda que cada um de nós, docentes na linha TICPE, tenha suas próprias tendências (preferências) teóricas e temáticas de maior interesse, compartilhamos um sentimento: uma profunda inquietação com relação a generalizações, universalizações e naturalizações. A partir disso, tentamos promover discussões mais aprofundadas acerca daquilo que nos vem sendo servido como “dado” (“realidade inescapável”?) não apenas nas mídias de massa, mas, infelizmente, também na própria literatura acadêmica da área: com base em uma crença na “neutralidade” da tecnologia, vista amplamente como “solução” (panaceia?) para uma educação dita “falida”, uma defesa dogmática (crença quase religiosa?) no poder dos artefatos digitais de “tornar o mundo um lugar melhor” (o slogan de preferência dos programadores no seriado Silicon Valley…).
Em 2016.2, integramos alguns elementos de discussões que temos conduzido entre nós em uma disciplina que ministramos em equipe (eu, Jaci e Márcio): uma Tópicos Especiais TICPE intitulada Educação e tecnologia: perspectivas críticas. Neste post, compartilho algumas de nossas ideias e o programa que seguimos no semestre que se encerra.
O objetivo geral da disciplina foi apresentar um panorama de questionamentos críticos pertinentes às discussões correntes sobre Educação e Tecnologia. Os objetivos específicos foram os seguintes:
Problematizar temáticas ligadas às TIC na Educação e ao campo da Tecnologia Educacional a partir de 3 eixos de discussão e análise: “ideologias”, “metáforas” e “discursos”;
Encorajar os participantes a rever criticamente suas premissas em relação à temática;
Promover a escrita reflexiva e em diálogo com os projetos de pesquisa dos participantes.
Ementa
Questões para pensar criticamente as TIC na Educação. Significados do termo “crítico”. Ideologias: sentidos de “ideologia”; “Evolução”, “progresso” e (pseudo-)revolução. Metáforas: da Educação, das TIC na Educação e da Tecnologia Educacional. Discursos: concepções de “discurso”; “discurso da inclusão”; “discurso da aprendizagem”; TIC nas políticas públicas educacionais em uma perspectiva discursiva.
A experiência girou em torno de 15 encontros semanais de 3 horas de duração, nos quais foram entremeados elementos de aulas dialógicas e expositivas, exigindo que os alunos conduzissem atividades preparatórias (leitura e escrita) antes de cada encontro.
Dividimos o programa da disciplina em 4 unidades: (I) Introdução; (II) Ideologias; (III) Metáforas; (IV) Discursos. A introdução delimitou a área de discussão e convidou os alunos a adotarem uma postura, em geral, mais “desconfiada”, menos repleta de certezas e pré-concepções. As unidades subsequentes exploraram a Educação e Tecnologia a partir de conceitos básicos das abordagens teórico-metodológicas com as quais trabalhamos na linha: “ideologia”, “metáforas fundantes” e “discursos”.
Eis o esquema de trabalho do semestre:
AULA/DATA | UNIDADE | ATIVIDADES EM SALA | ATIVIDADES PREPARATÓRIAS (para a semana seguinte) | LEITURAS COMPLEMENTARES |
Aula 1
25/08/16 |
I Introdução | Apresentações
Apresentação dos professores e dos estudantes (pessoal e de projetos/interesses). Apresentação da disciplina e da proposta de avaliação. |
LEITURA E RESUMO
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Rüdiger (2011), cap. 1 “A cibercultura e a polêmica sobre a cultura … na era das massas” |
Aula 2
01/09/16 |
7 questões para pensar as TIC na Educação Discussão de Selwyn (no prelo) |
LEITURA E RESUMO
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Rüdiger (2012), cap. 2 “Fáusticos, prometeicos e neomarxistas” e cap. 3 “O Ocidente e a técnica: estágios reflexivos do pensamento tecnológico” | |
Aula 3
08/09/2016 |
Exibição e discussão do filme “Mera coincidência” | |||
Aula 4 15/09/16 | “Definições” básicas de educação e tecnologia Discussão de Selwyn (2011) |
LEITURA E RESUMO
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Rüdiger (2011), cap. 5 “Cibercultura e a era da informação: Castells e a sociedade em rede” | |
Aula 5
22/09/16 |
Continuação da discussão iniciada na aula anterior (Selwyn, 2011) | |||
Aula 6
29/09/16 |
II Ideologias | Sentidos de “ideologia”
Discussão de Selwyn (2014)
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LEITURA E RESUMO
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Aula 7
06/10/16 |
Sentidos de “crítica” Discussão a partir de Nobre (2014) |
LEITURA E RESUMO | Rüdiger (2011), cap.11 “A sagração da internet: cultura e tecnicismo em André Lemos” | |
Aula 8
13/10/16 |
“Evolução”, “progresso” e (pseudo-)revolução Discussão de Barbrook e Cameron (1995/2000) |
LEITURA E RESUMO
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Aula 9
20/10/16 |
III Metáforas | A metáfora como recurso epistemológico Discussão de Calvino (2003) e Lemgruber (2009) |
LEITURA E RESUMO
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Aula 10
27/10/16 |
Metáforas da Educação O “mestre parteiro” (Sócrates); a sala de aula como tipografia (Comenius); a “educação bancária” (Freire) – discussão a partir dos trechos selecionados de Platão, Comênio e Freire. |
LEITURA E RESUMO |
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03/11/16 | Aula cancelada | |||
Aula 11
10/11/16 |
Metáforas da Tecnologia Educacional Rede; Teia; Puzzle; Lego; Mosaico (discussão a partir de imagens) |
LEITURA E RESUMO
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Lins (2011) | |
Aula 12
17/11/16 |
IV Discursos | Discursos na Educação (1): o “discurso da inclusão” Discussão de Barreto (2009a; 2009b) |
LEITURA E RESUMO
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Biesta (2013b) |
Aula 13
24/11/16 |
Discursos na Educação (2): o “discurso da aprendizagem” Discussão de Biesta (2013a) e Ball (2013) |
LEITURA E RESUMO
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Aula 14
1/12/16 |
Discursos na Educação e Políticas Educacionais: “Tecnologias nas políticas” Discussão de Zuin (2010) |
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Aula 15
8/12/16 |
FECHAMENTO DA DISCIPLINA Discussão (com a participação do Prof. Alexandre Rosado) – filme Snowden, de Oliver Stone |
Veja abaixo os detalhes das leituras, bem como uma lista de leituras recomendadas que ainda estamos definindo – lembrando que as traduções dos capítulos de livros de Neil Selwyn estão compartilhadas aqui (SELWYN, 2011) e aqui (SELWYN, 2014), e o primeiro texto que utilizamos, também de Neil, será publicado em nosso e-book temático.
Para a discussão de metáforas da Educação e Tecnologia, utilizamos duas colagens projetadas em slides. A primeira colagem remete a metáforas discutidas por Lemgruber (2009):
A segunda colagem remete a imagens recorrentes na tecnologia educacional, associadas, em particular, a Objetos de Aprendizagem (Wikipedia em inglês, pois tem uma seção que resume as críticas ao conceito) e Recursos Educacionais Abertos (REA):
À luz de nossa experiência no semestre, temos várias ideias de modificações. A discussão de filmes, em particular, que temos feito em outras disciplinas, é algo que sempre gera muita controvérsia em nossas reuniões de linha, pois há muito material (de “clássicos” como Metrópolis e Blade Runner, cuja integração em disciplina discutimos aqui, a produções recentes como as séries Black Mirror, Westworld e Silicon Valley – essa última, em particular, compõe um excelente contraponto com A Ideologia Californiana de Richard Barbrook). Durante as férias escolares, dedicaremos algum tempo à discussão da experiência de 2016.2, com vistas a aprimorar o programa e incluir a disciplina em nossa matriz curricular.
Bibliografia
BALL, S. Aprendizagem ao longo da vida, subjetividade e a sociedade totalmente pedagogizada. Educação, Porto Alegre, v. 36, n. 2, p. 144–155, 27 jun. 2013. Disponível em: <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faced/article/view/12886/9446>. Acesso em: 22 ago 2016.
BARBROOK, R.; CAMERON, A. A Ideologia Californiana. (The Californian Ideology). Trad. disponível em: Cibercultura online. Arquivo de disciplina ministrada por F. Rudiger, UFRGS, 1995/2000. Disponível em: < http://cibercultura.fortunecity.ws/vol2/idcal.html >. Acesso em: 16 ago. 2016.
BARRETO, R. G. O discurso da inclusão. In:_____. Discursos, tecnologias, educação. Práticas de Linguagem. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2009a.
_____. Para começo de conversa: texto, discurso(s), intertextualidade. In:_____. Discursos, tecnologias, educação – Pesquisa em educação. Práticas de Linguagem. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2009b.
BIESTA, G. Contra a aprendizagem: recuperando uma linguagem para a educação numa era da aprendizagem. In:_____. Para além da aprendizagem: educação democrática para um futuro humano. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013a. (Coleção Educação: Experiência e Sentido).
CALVINO, I. Cidades Invisíveis. Rio de Janeiro: Ed. Globo, 2003.
COMÊNIO, J. A Didactica Magna. Lisboa, Calouste Gulbenkian, 1995
FREIRE, P. A concepção «bancária» da ducação como instrumento da opressão. Seus pressupostos, sua crítica. In: ______.Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
GIDDENS, A.; SUTTON, P. W. Ideologia. In:_____. Conceitos essenciais da Sociologia. Trad. Claudia Freire. São Paulo: Editora UNESP, 2015.
LEMGRUBER, M. Argumentação, metáforas e labirintos. Educação e Cultura Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 6, n. 13, p. 155-172, 2009.
NOBRE, M. A Teoria Crítica. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.
PLATÃO. Teeteto. Versão eletrônica: < http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv000068.pdf >. Tradução: Carlos Alberto Nunes. Acesso em 23 nov. 2016
SELWYN, N. Educação e tecnologia: questões críticas. In: FERREIRA, G. M. S.; ROSADO, A.; CARVALHO, J. S. (Org.) Educação e tecnologia: abordagens críticas. Rio de Janeiro: Universidade Estácio de Sá/Linha TICPE. No prelo.
SELWYN, N. Compreendendo a tecnologia educacional como ideologia. In: _____. Distrusting Educational Technology. Edição para Kindle. Londres: Routledge, 2014. Tradução: Giselle Ferreira. Disponível em: < https://ticpe.files.wordpress.com/2016/12/neil_selwyn_distrusting_cap2_trad_pt_final.pdf >.
SELWYN, N. O que entendemos por “educação” e “tecnologia?” In: _____. Education and Technology: key issues and debates. Edição para Kindle. Londres: Bloomsbury, 2011. Tradução: Giselle Ferreira. Disponível em: < https://ticpe.files.wordpress.com/2016/12/neil_selwyn_keyquestions_cap1_trad_pt_final1.pdf >
Bibliografia complementar (em expansão)
BIESTA, G. A educação e a questão do ser humano. In:_____. Para além da aprendizagem: educação democrática para um futuro humano. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013b.
BARRETO, R. G.; MAGALHÃES, L. K. C. Tecnologia singular, sentidos plurais. Instrumento, v. 13, n. 2, p. 11-22, 2011. Disponível em: < https://instrumento.ufjf.emnuvens.com.br/revistainstrumento/article/view/1596/1112 >. Acesso em 16 ago. 2016.
CRUZ, E. G. Las metáforas de internet. Barcelona: Editorial UOC, 2007.
CUBAN, L. Oversold and underused. Computers in the classroom. Cambridge; Londres: Harvard University Press, 2001.
LINS, M. J . S. C. Educação bancária: uma questão filosófica de aprendizagem. Educação e Cultura Contemporânea, v. 8, n. 16, 2011. Disponível em: < http://periodicos.estacio.br/index.php/reeduc/article/viewArticle/168 >. Acesso em: 16 ago. 2016.
RUDIGER, F. Teorias da Cibercultura. Perspectivas, questões e autores. Porto Alegre: Ed. Sulina, 2011.